Passarinhar: a prática de notar as aves em todo lugar

13/08/2024

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Por Ana Luiza Camargo Catalano, André Santachiara Fossaluza e Clarrisa de Oliveira Santos

Ao longo da história humana, nossa espécie tem se relacionado com o ambiente de diferentes formas. Dos primeiros contatos com áreas sem a presença anterior de seres humanos, até contatos contemporâneos em cidades altamente adensadas, como São Paulo, estamos em permanente contato com outros seres vivos e elementos não vivos do território.

Especialmente após o acelerado processo de urbanização a partir do século XX, temos a impressão de estarmos cada vez mais distantes daquilo que entendemos como natureza: o contato com as áreas verdes, com as espécies silvestres de animais, plantas e fungos, com os cursos d’água limpos ou com o ar puro parece ser cada vez menor, restrito a momentos de descanso e de fuga da rotina das cidades.

O maior tempo que passamos em frente a aparatos de alta tecnologia, como computadores e smartphones, parece criar uma outra realidade, distante daquela que podemos vivenciar na realidade concreta, no ambiente onde vivemos.

Da mesma forma, os impactos ambientais têm se tornado mais visíveis, causados por um modelo predatório de produção industrial desmedida, de exploração incessante de riquezas naturais, de produção agrícola e pecuária extensiva e de geração (e destinação inadequada) exponencial de resíduos, entre inúmeras outras ações características da sociedade humana atual.

Mas é neste mesmo contexto que uma série de iniciativas têm buscado nos (re)aproximar do ambiente de uma forma mais consciente e harmônica, atraindo os nossos sentidos para elementos que estão ao redor de nós e que, muitas vezes, passam despercebidos.

Entre elas, falaremos sobre a observação de aves, que também é chamada de Passarinhada, denominação que tem sido mais difundida com o público  em geral, trazendo muitas pessoas para essa prática.

Afinal, o que é passarinhar?

Passarinhar consiste em, antes de tudo, utilizar os nossos sentidos para observar, escutar e perceber o nosso ambiente para notar a presença das inúmeras espécies de aves que convivem conosco, não só na zona rural, mas também na urbana. Depois desse processo de percepção ambiental, iniciamos o processo de registrar e listar as espécies de aves reconhecidas durante uma trilha, visita ou até mesmo pela janela.

Vale ressaltar que, para que nossas Passarinhadas não tragam impactos negativos às aves e ao ambiente, devemos ter uma conduta respeitosa e cuidadosa durante as atividades. O Código de Ética dos Observadores de Aves do WikiAves traz orientações importantes para a nossa prática, como respeitar o bem-estar das aves e de seu ambiente, permanecermos nas estradas, trilhas e caminhos onde existirem e compartilhar os princípios éticos com o restante do grupo, entre outras.

Como passarinhar?

foto: André Fossaluza

Caso você ainda não tenha experimentado esta incrível prática, aqui vão alguns motivos para começar:

  • Fomenta uma maior conexão com a natureza: temos a oportunidade de nos conectarmos com os aspectos visuais e sonoros da Terra. Notar esses detalhes, que antes passavam despercebidos, nos faz apreciar e nos importar mais com o nosso planeta.
  • É gratuito e fácil: para passarinhar, necessitamos apenas de nós mesmos(as), basta começar a perceber o ambiente! Todas as pessoas já viram ou conhecem uma ave. Apesar de não depender de equipamento algum, podemos incrementar essa prática com a utilização de binóculos, câmeras, guias de identificação de aves ou gravadores de som.
  • É acessível: as Passarinhadas têm permitido a participação de um público cada vez maior, inclusive de pessoas com deficiência visual. Um dos principais meios de comunicação das aves é o som e muitas das espécies identificadas e registradas em uma passarinhada são notadas por meio de cantos e chamados emitidos pelas espécies.
  • É uma atividade de lazer estimulante: quanto mais espécies aprendemos a identificar e registrar, mais queremos conhecer para aumentar a nossa lista de aves observadas. E, mesmo enquanto não estivermos passarinhando, ao adentrarmos um lugar novo, ficamos sempre nos perguntando “Quais espécies será que ocorrem aqui?”.
  • Permite criar novas relações: além de nos conectar com a natureza, as passarinhadas estimulam o relacionamento com outras pessoas também interessadas nesse assunto. A troca de experiências torna essa atividade ainda mais enriquecedora. É possível, também, participar de algum clube ou comunidade de observação de aves.

foto: Giuliano Martins

A observação de aves tem se tornado cada vez mais popular no Brasil. Várias cidades acolhem saídas mensais, chamadas Vem Passarinhar. No Brasil, o dia 5 de outubro é considerado o Dia das Aves, uma data criada para conscientizar a população sobre a importância da proteção das aves e de seus habitats naturais. O Decreto 9.675, de 2002, que criou essa data comemorativa, também institui o Sabiá-Laranjeira (Turdus rufiventris) como a Ave Nacional do Brasil.

Uma ferramenta muito útil para os(as) observadores(as) de aves é o Wiki Aves, uma plataforma online que permite a troca de informações sobre as aves e os seus habitats, além de disponibilizar fotos e sons para identificação das espécies. O Wiki Aves é uma plataforma colaborativa, que permite o compartilhamento livre de informações e a expansão do conhecimento sobre a avifauna brasileira.

Outra ferramenta importante é o eBird, que permite o registro de avistamentos de aves em todo o mundo. Com o eBird, os(as) observadores(as) de aves podem registrar suas observações e fazer listas, contribuindo para o monitoramento da distribuição e da abundância das aves em diferentes regiões do Brasil e do mundo.

Para quem deseja se aprofundar na observação de aves, existem diversas opções de cursos e eventos, como o Avistar, um dos maiores festivais de observação de aves da América Latina. Realizado anualmente em São Paulo, o Avistar oferece palestras, workshops e atividades práticas para observadores de aves de todos os níveis.

É neste contexto que, desde 2019, o Sesc Jundiaí tem organizado, em parceria com o Jardim Botânico de Jundiaí, as “Passarinhadas no Jardim Botânico”, regularmente.

Passarinhadas no Jardim Botânico de Jundiaí

foto: André Fossaluza

A passarinhada no Jardim Botânico de Jundiaí é uma visita mediada, em grupos, guiada por biólogas(os) e ornitólogas(os), que tem como objetivo observar, escutar, reconhecer e identificar as espécies de aves existentes neste ambiente, seja indicando os indivíduos visualmente, seja chamando a atenção para as vocalizações.

Durante a caminhada, compartilhamos informações sobre as aves observadas e sobre a experiência de cada pessoa com o que está sendo notado, já que certas espécies conhecidas por uma pessoa podem ser novas para outras.

Nas passarinhadas realizadas em 2022, registramos 58 espécies de aves no Jardim Botânico de Jundiaí, que é um ótimo local para um primeiro contato com esta prática, já que conta com uma grande variedade de espécies como:

Espécies terrestres:

  • Pica-pau-banda-branca (Dryocopus lineatus)
  • Saracura-do-mato (Aramides saracura)
  • Sabiá-barranco (Turdus leucomelas)
  • Periquito-de-encontro-amarelo (Brotogeris chiriri)

Espécies aquáticas ou que frequentam as margens de rios:

  • Biguá (Nannopterum brasilianum)
  • Socó-dorminhoco (Nycticorax nycticorax)
  • Tapicuru (Phimosus infuscatus)

Espécies comuns no ambiente urbano:

  • Pardal (Passer domesticus)
  • Maritaca (Pionus maximiliani)
  • Bem-te-vi (Pitangus sulphuratus)
  • Jacuguaçu (Penelope obscura)

Desde 2019, diversos públicos puderam vivenciar esta atividade: desde crianças dos Programas Curumim e Esporte Criança, passando por adolescentes do Programa Juventudes, até pessoas de todas as idades nas edições abertas aos sábados e domingos de manhã, mais de 300 pessoas participaram das passarinhadas!

As passarinhadas no Jardim Botânico, organizadas pelo Sesc Jundiaí, têm acontecido uma vez por semestre, sempre aos fins de semana. Mas, caso você não possa participar, o nosso miniguia de identificação pode te ajudar a realizar essa atividade de forma autônoma.

foto: André Fossaluza

Miniguia de identificação: Aves do Jardim Botânico de Jundiaí

Um dos acessórios que podemos levar para enriquecer nossa experiência nas passarinhadas são os guias de aves. Guias são livros, livretos ou cartilhas que nos fornecem imagens e informações sobre as espécies de aves que podem ser encontradas em uma determinada localidade, facilitando assim a identificação. Os guias podem ser abrangentes e contemplar espécies de um país, como também podem ser mais específicos, listando espécies de um parque ou em uma universidade, por exemplo.

O Miniguia de identificação: Aves do Jardim Botânico de Jundiaí é um folheto que possui dicas para passarinhar e informações sobre 15 espécies que são facilmente avistadas no Jardim Botânico de Jundiaí, também comuns em outros jardins e parques urbanos no Sudeste do Brasil.

A sessão de cada espécie possui ilustração e medidas para identificação visual em campo, hábitos da ave, informações sobre alimentação e ambientes em que ocorrem.

Caso você não possa participar das passarinhadas organizadas pelo Sesc Jundiaí, sinta-se à vontade para baixar, imprimir e utilizar o nosso miniguia e fazer a sua própria passarinhada!

O Miniguia de identificação: Aves do Jardim Botânico de Jundiaí é uma produção do Sesc Jundiaí com o apoio do Jardim Botânico de Jundiaí, com autoria, ilustrações e produção gráfica de Clarissa de Oliveira Santos, revisão da 1ª edição por Bruna Gonçalves da Silva (Jardim Botânico de Jundiaí) e revisão da 2ª edição por André Santachiara Fossaluza.

Para saber mais: a Ornitologia e a Sociedade

Clarrisa de Oliveira Santos | foto: André Fossaluza

No sentido mais amplo, ornitólogos e ornitólogas são pessoas que dedicam algum tempo no estudo das aves. Assim, cientistas, observadores(as) de aves, pessoas que as criam em cativeiro, seriam ornitólogos(as).

Profissionalmente, a ornitologia é uma especialidade que pode ser praticada por profissionais das ciências da natureza. Em todos esses contextos, as mais diversas pessoas poderiam se tornar ornitólogas, mas não é isso que observamos ao longo da história.

Podemos encarar a catalogação de aves como uma prática que teve início com as pinturas rupestres feitas por seres humanos. A descrição das diferentes espécies e as interações ecológicas entre as aves e o ambiente são conhecimentos que foram e são produzidos por todas as culturas, em todo o mundo.

Mas assim como outras áreas do conhecimento, a ornitologia, conhecida e estruturada como disciplina científica ocidental, teve início na Europa no século XVIII, quando naturalistas europeus começaram a visitar outras regiões do mundo e coletar espécimes de aves para estudá-las.

Muitos deles eram aristocratas que podiam financiar expedições de coleta de espécimes e escrever livros sobre aves: essas coleções, inclusive, estão distribuídas em coleções científicas de universidades e museus no mundo todo.

No Brasil, a ornitologia, de forma sistematizada, teve suas raízes no século XIX, quando naturalistas europeus começaram a investigar a fauna do país. O início do século XX marcou o surgimento de estudos científicos mais completos sobre as aves brasileiras.

foto: Giuliano Martins

Entre muitos nomes europeus de destaque desse período, apenas uma mulher recebeu o reconhecimento pelas suas contribuições: Emilie Snethlage, uma ornitóloga e naturalista alemã que se dedicou ao estudo da fauna brasileira. Ela viveu no Brasil por quase 30 anos, foi diretora do Museu Paraense Emílio Goeldi e descobriu diversas espécies de aves. Além disso, diversas espécies de animais foram nomeadas em sua homenagem.

Com o tempo, a ornitologia evoluiu e a observação de aves tornou-se cada vez mais popular entre o público em geral. A ideia de passar o tempo livre observando as aves na natureza tem se tornado uma atividade cada vez mais difundida mundialmente. Porém, assim como na ciência, ela se desenvolveu como uma prática masculina, branca e direcionada a classes sociais mais abastadas.

Durante muitos anos, a observação de aves foi encarada como uma atividade que seguia “regras” que, inevitavelmente, limitavam a presença de certos grupos. O acesso ao lazer, o tempo livre, recursos para o turismo e para equipamentos eram características importantes para se “tornar” um observador de aves.

Ana Luiza Camargo Catalano | foto: André Fossaluza

Com a divisão social, racial e sexual do trabalho em nossa sociedade, mulheres e pessoas não-brancas dificilmente estavam presentes em espaços de observação de aves. Essas ideias e impressões foram discutidas no evento online Aves Pretas – Semana de Afro Observação de Aves, realizado em 2021. O evento teve como proposta dar protagonismo a pessoas pretas que trabalham em diferentes áreas da ornitologia.

Além disso, o conhecimento ornitológico que foi amplamente divulgado nos últimos séculos, tem se limitado aos conceitos e definições europeias, ignorando o vasto conhecimento dos povos tradicionais e comunidades originárias de território. Felizmente, a última década marcou o início de um movimento crescente para a sistematização e difusão do conhecimento dos povos originários.

No Brasil, o projeto “Aldeia Sustentável A’uwe Uptabi”, que é realizado pelo Instituto Kurâdomôdo de Cultura lançou o guia “TSIWAIMRÃMI’WA’ A’UWE UPTABI – Observando Aves em Terra Xavantes”, o primeiro guia de aves em língua indígena do Brasil, e conta com 91 aves que são avistadas pelo povo Xavante na Aldeia Belém na Terra Indígena Pimentel Barbosa em Canarana (MT).

Pautar as questões sociais que permeiam essa prática humana também é uma forma de tornar as passarinhadas mais acolhedoras e democráticas, valorizando a diversidade não só das aves, mas também dos(as) passarinheiros(as).


Ana Luiza Camargo Catalano é bióloga, doutora em Ecologia e artista. Atualmente realiza trabalhos com consultoria ambiental, fazendo monitoramento acústico de aves, divulgação científica através de bordados realistas de aves e ministra oficinas e cursos sobre bioacústica.

André Santachiara Fossaluza é biólogo, educador ambiental, permacultor e doutor em Educação para a Ciência. Atualmente, é professor assistente na Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências (IBB), câmpus de Botucatu. Trabalhou como agente de educação ambiental do Sesc Jundiaí e atua como educador no Grupo Curare de Permacultura e no projeto Hortemos: Semeando Informação.

Clarissa de Oliveira Santos é bióloga, ornitóloga, ilustradora, consultora, mestra e doutoranda em Ecologia. Também atua como educadora ambiental e divulgadora científica.

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